O estudo que segue é uma
continuação do histórico da Rua da Constituição, que preparei depois de uma
pergunta feita pelo amigo, Mestre Cícero de Almeida, sobre a Rua da
Constituição. A memória histórica da "Rua da Constituição" segue em
estudo separado, na página do facebook - "Rio de Janeiro: Onde mora meu
antepassado?" e aqui neste blog, no link - http://rio-de-janeiro-desaparecido.blogspot.com.br/2015/11/a-rua-da-constituicao-memoria-historica_76.html
Cau Barata
Em 1791, já está bem reduzido e delineado o espaço que foi do Campo da
Lampadosa, nome que ainda resiste, mas já com um aspecto do que poderia ser uma
grande praça, formada entre o final da Rua da Carioca e o Campo de Santana. Na base
deste descampado, próxima à Cidade, vai surgir a Praça Tiradentes. Enfim, a
configuração deste espaço, em 1791, é como se a praça Tiradentes fosse bem mais
comprida do que é, estendendo-se até chegar ao Campo de Santana.
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Por esta época começam os melhoramentos e calçamentos na região do
Campo da Lampadosa, sob a administração do vice-rei D. José Luiz de Mello e Castro,
Conde de Rezende, possibilitando maiores oportunidades para a construção de
novas casas em terrenos ganhos sobre os charcos da Lampadosa.
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Finalmente, Mestre Cícero, podemos perceber, em fins do século XVIII,
a formação de um espaço que se encaixa, perfeitamente, no perímetro da atual
Praça Tiradentes e a construção de um casario, ao longo do logradouro, que se
estende, pelo lado direito deste espaço, como se fosse um grande corredor, até o Campo de Santana.
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Não posso deixar de registrar que o principal fator de formação deste
novo espaço - futura Praça Tiradentes, pode-se dizer que foi Antonio Petra de Bittencourt,
português, natural da Ilha Terceira, rico proprietário, abastado comerciante de
vinho, aguardente, fazendas, sal, açúcar, carne, couros e sebos, e que chegou
ao Rio de Janeiro, por volta de 1789. Era irmão do desembargador Agostinho
Petra de Bittencourt, que chegou ao Rio de Janeiro pouco depois de 1801.
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Pois bem, Antonio Petra de Bittencourt, ao chegar no Rio de Janeiro,
foi logo procurando um lugar para morar e as oportunidades maiores estavam para
além da rua da Vala (Uruguaiana), por conta dos grandes descampados da
Lampadosa e de Santana, unidos que estavam por um grande corredor formado entre
as atuais ruas Visconde do Rio Branco e Constituição. Encontrou, no meio deste grande corredor, chãos sadios,
talvez um daqueles que foi beneficiado com os aterros feitos pelo Conde de
Rezende, e arriscaria dizer que os tenha obtido da herança de sua esposa, pouco
depois de 1791, filha do Capitão Manuel Gonçalves Moledo, português,
estabelecido no Rio de Janeiro, antes de 1776. Moledo foi grande proprietário
de terras naquela e em outras regiões do Rio de Janeiro, nos anos oitenta do
século XVIII. Não posso deixar de afirmar o quanto Petra de Bittencourt
tornou-se um homem extremamente rico, porém, foi casado três vezes, com três
irmãs, todas filhas do mesmo Moledo. A quarta irmão foi casada com outro
potentado, o Comendador Luiz de Menezes Vasconcelos Drummond, Presidente da
Câmara Municipal e Administrador da Alfândega da Corte. Pode-se entender o
poder econômico deste grupo familiar em fins do século XVIII.
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Antonio Petra de Bittencourt, promoveu os melhoramentos necessários no
terreno que acabava de comprar, fez aterrar os alagadiços que ainda existiam, e
nele ergueu um conjunto de casas que dividiria àquele corredor ao meio. Já
estavam erguidas em 1796, tornando-se o principal marco de formação de um novo
espaço urbano na Cidade do Rio de Janeiro. Àquelas suas propriedades dividiram
o Campo da Lampadosa em dois.
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Definiu-se assim, com a construção das
propriedades de Antonio Petra Bittencourt, um novo espaço urbano, um novo campo
que, pouco depois, viria a ser conhecido por Campo dos Ciganos.
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Sobre este corredor ver maiores detalhes no texto sobre a Rua da Constituição
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Consta que no tempo do
comerciante Antonio Petra, um grupo de ciganos - proibidos, como também eram
muitos afros, de residirem no núcleo da Cidade - foi buscar os descampados da
Lampadosa, depois de uma tentativa de se fixarem pela região do Valongo. O novo
espaço obtido pela divisão do antigo Campo da Lampadosa, gerou o que vai ser
conhecido por Campos dos Ciganos. A primeira vez que vemos esta denominação ocorre
em 1804, quando o Hospital da Ordem
Terceira de Nossa Senhora do Carmo, proprietário de vários chãos naquele lugar,
vende um deles ao Capitão Francisco Gonçalves da Fonseca - sitos no campo dos Ciganos
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PALACETE
RIO SECO - 1811
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Em 1811, já não
residia mais naquelas casas, marco da formação da futura praça Tiradentes, o
velho Antonio Petra de Bittencourt. Estava morando, agora, na rua da Cadeia.
Antonio Petra, comerciante e capitalista que era, não querendo perder a
oportunidade da grande oferta de procura de chãos e casas de moradias, que
acontecia na Cidade do Rio de Janeiro, por conta da chegada da Corte
Portuguesa, em 1808, vendeu àquelas propriedades do Campo dos Ciganos ao
milionário lisboeta, Joaquim José de Azevedo (1761-1835), Almoxarife da Real
Casa das Obras e de todos os Reais Paços em Lisboa, e que fora um dos
passageiros embarcados, em 1808, na nau
capitânea, Príncipe Real, a principal e a de maior tonelada, onde
justamente estavam o Príncipe Regente D. João, e sua mãe, a Rainha de Portugal
D. Maria I.
Joaquim José de
Azevedo, ao chegar no Rio de Janeiro, teve sua nomeação para o 1.º cargo de tesoureiro e escrivão da Real Capela, criado em 21.03.1809.
Foi Comprador dos Guardas roupas, do Paço , da Coroa e dos oficiais
pertencentes as Cavalariças Reais. Foi Conselheiro de Sua Majestade, pelo
Alvará de 17.05.1810; e nomeado Inspetor da Real Coutada da Ilha do Governador,
por decreto de 22.08.1811.
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NÃO ERA POUCA COISA -
Mestre Cícero. A grana que antes já passava pelas mãos do Azevedo, lá do outro
lado do Atlântico, agora também passava aqui, no Rio de Janeiro - a nova corte
dos trópicos. Assim, na contramão do chamado PR - em que se lia "Ponha-se
na Rua", ao invés de Príncipe Regente, o milionário Joaquim José de
Azevedo, naquele mesmo ano de 1811, adquiriu da família Petra de Bittencourt,
todo àquele correr de casas do Campo dos Ciganos. Demolindo algumas delas fez
construir sua casa de moradia,
um sobrado "apalacetado" - de
dois pavimentos, com salões decorados, dependências para a criadagem e para a
cavalariça -, que reforçava a divisão daquele corredor ao meio. Àquele
palacete dividiu o Campo da Lampadosa em dois.
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Sobre o potentoso Joaquim José de Azevedo, escreveu um cronista,
testemunho dos acontecimentos na Corte do Rio de Janeiro:
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A respeito de Joaquim
José de Azevedo, tesoureiro da Casa de Bragança, que preparou o
embarque da Família Real em Lisboa, e de Targini, Barão de São Lourenço, enviou
ao pai uns pasquins que corriam na cidade, nos quais os barões assinalados eram
acusados de furtar a fazenda pública. Ao primeiro, aliás, mostra-se grato por
atenções e favores recebidos. Riquíssimo, estava
edificando suntuoso palácio no largo dos Ciganos, onde estava o pelourinho,
e logo depois estava Ievantando outro mais soberbo e estupendo no sítio de
Matacavalos. O primeiro daqueles palácios foi depois, durante grande parte do
Império e na República até pouco tempo, a sede do Ministério da Justiça. Em
Outubro de 1815, fez um empréstimo gratuito ao Erário no valor de 200:000$000,
que deram carga a cinco carros cheios de prata, e a onze negros carregados de
ouro.
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No ano seguinte, por decreto de 12.10.1812, foi agraciado com o título
de Barão do Rio Seco, nome que ele foi buscar do local de sua moradia, em
Lisboa, quando da sua vinda para o Rio de Janeiro: na
rua direita do Rio Seco. Joaquim José de Azevedo foi elevado ao título de 1.º Visconde do Rio Seco, por Mercê do Rei D. João VI, de
11.02.1818. É com base
neste título - Barão do Rio Seco - que Thomas Ender, ao desenhar o Campo dos Ciganos, em 1819, fez questão de
assinalar sua residência, a qual chamou de Palai
des Cte. do Rio Seco.
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Prezado Mestre Cícero, não fique confuso com os
títulos que recebeu Joaquim José de Azevedo pois, para ser bem claro e
resumido, diria que foram dobrados.
Pois bem, preferindo permanecer no Brasil, não retornou à Portugal, em 1821,
com D. João VI. Ficou no Rio de Janeiro a serviço do novo Imperador D. Pedro I.
Este, pouco depois da Proclamação da Independência, o agraciou com os títulos
de barão com honras de grandeza do Rio
Seco, pelo Decreto de 01.12.1822 (agora é um título brasileiro, tendo sido
antes, apenas barão do Rio Seco, por Portugal), a Visconde com honras de grandeza do Rio Seco [Pelo mesmo Dec. de
01.12.1822 (sic) - antes era visconde por Portugal] e, finalmente, elevado à marquês de Jundiaí, pelo Decreto de
12.10.1826. Teve, ainda, no Brasil, o Ofício de Porteiro-Mór.
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Joaquim José de Azevedo, Barão do Rio Sêco, Visconde
do Rio Seco e Marquês de Jundiaí,
faleceu em 07.04.1835, no Rio de Janeiro, e foi sepultado nas catacumbas da
Igreja de São Francisco de Paula. Sua esposa, baronesa, viscondessa e marquesa
Maria Carlota Miliard, já era falecido. Tiveram cinco filhos e todos retornaram
para Portugal, antes da morte do pai, deixando o Brasil.
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Não houve interesse de sua prole em dar
continuidade aos negócios do pai, no Rio de Janeiro e, um ano depois de sua
morte, com os bens sendo inventariado por ser necessário realizar a partilha,
os descendentes autorizam seus procuradores, em maio de 1836, à colocar em
leilão Público o patrimônio do falecido pai marquês, entre eles o famoso
palacete onde morava, na Praça da Constituição com frente para a então rua do
Conde da Cunha (o Palacete era numerado por este logradouro e tinha o número 2).
Junto com este, colocaram também à venda a casa grande e chácara com 22 moradas
de casas e alguns foros de terrenos no arraial de Mataporcos (região do
Estácio), seis moradas de casas térreas, no bairro do Catete, e um terreno no
mesmo bairro, além de uma chácara na Ilha do Governador, com seus competentes
prédios, mobília e 30 escravos, vacas de leite, carneiros, escaleres, canoas,
etc. O leilão estava agendado para acontecer às portas da casa do Marquês de
Jundiaí, na rua do Conde, canto do largo do Rossio.
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Palacete do Visconde do Rio Seco
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Finalmente, o Palacete foi levado à praça pública, em 27 de junho e,
somente arrematado, a 17 de setembro de 1836, com toda a sua rica mobília, uma
grande porção de vestuário e roupa de cama, pelo Comendador José Ferreira
Carneiro, pela vultosa soma de 45 contos e 450 mil reis. Não estava incluída
nesta transação a rica carruagem do Marquês de Jundiaí, mais conhecido como
Visconde do Rio Seco, somente leiloada em 4 de agosto.
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O Comendador José
Ferreira Carneiro, que parece ser o mesmo que exercia o mandato de deputado por
Minas Gerais, no Rio de Janeiro, teria deixado o palacete quase abandonado, por
permanecer mais tempo em Minas Gerais, do que no Rio de Janeiro. Já bastante
avariado, necessitando de reparos, foi vendido, em 1851, pela quantia de
quarenta contos de réis, ao fazendeiro, lavrador e negociante, o também
comendador Francisco Pinto da Fonseca, natural de Braga e casado, no Rio de
Janeiro, com a herdeira do Engenho da Taquara.
CLUB FLUMINENSE - 1853
Apesar da propriedade passar para às mãos da família Pinto da Fonseca (Telles), não foi o mesmo utilizado como casa de moradia, e sim como mais um negócio da família, que alugou a propriedade, então numerada pela Rua do Conde, número 2, na qual passou a funcionar uma Casa de Polícia. No ano de 1853 estava alugada para o Sr. Augusto Carlos de Souza, que nele fundou o Club Fluminense, dando à Sociedade Carioca uma outra maneira de ver e se divertir com elegância.
Diz uma velha crônica que, até o surgimento do empresário Augusto Carlos, o carioca estava acostumado a divertir-se em cubículos e cochias onde mal se podia respirar, tornando os bailes em rançosos doces de torna-viágem. O club Fluminense revela aos olhos dos homens costumados a ver o mundo, um rico, variado e delicado gosto desde à porta de entrada até os últimos quartos superiores do edifício. O empresário Augusto Carlos não se limitou a decorar uma casa para dançar, enriqueceu-a com tudo quanto se encontra no club de Londres, Paris e Lisboa. Até mesmo uma biblioteca nele se instalou, e nele também encontravam jornais de todos os países, além do serviço com luxo. Aparelhos de chá extremamente delicado no serviço diário. Os sócios pagavam seis mil reis mensais com uma pequena jóia paga por seis meses adiantados.
O comendador Francisco Pinto da Fonseca faleceu em 1865, e foi sepultado na Capela de Santa Cruz da Taquara. Teve dois filhos, sendo que a filha já era morta, desde 1859, ficando suas propriedades - Engenho da Taquara, o Palacete Rio Seco/Jundiaí e outros bens ao único filho herdeiro, o barão da Taquara, Francisco Pinto da Fonseca Teles.
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Barão da Taquara
Fonte: facebook Noph Jpa, de Marcos André D.C.N. de Azevedo
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Finalizando este capítulo do Palacete Rio Seco, o barão da Taquara, instalado em seu Engenho da Taquara, permaneceu alugando o palacete da Cidade até o ano de 1876, quando o vendeu para a Fazenda Nacional, para servir de sede do Ministério do Império (Secretaria de Estado e dos Negócios do Império), que ali já estava instalado em 1877, como Praça da Constituição e não mais rua do Conde.
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Alguns anos depois, em 1892, já funcionava no Palacete as Secretarias da Justiça e do Interior, a Secretaria da Instrução Pública, a Secretaria da Junta Comercial da Capital, todas no endereço: Praça Tiradentes, 63. Ainda funcionavam as da Justiça e do Interior em 1922 - Praça Tiradentes 65 e 67. Em 1934 funcionava a Inspetoria de Tráfego.
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Mestre Cícero,
infelizmente não conheci o marquês e, já no meu tempo, ali funcionava a Inspetoria de Trânsito.
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Um excelente trabalho e uma aula de primeira qualidade sobre a história do Rio de Janeiro. Parabéns!
ResponderExcluirAdorei ler este trabalho muito bem feito sobre a história do Rio de Janeiro. Muito me apraz registar o comentário sobre António Petra de Bittencourt do qual descendo. Além de gostar de história, fico feliz de ler artigos sobre meus antepassados.
ResponderExcluirNadja da Silva Ferreira 10 de março de 2016
ResponderExcluirAndo pelo centro e vejo prédios antigos do Rio e fico arrasada com o descaso. Seu trabalho me deixou mais ainda fascinada pela história do nosso Rio. Obrigada
uma gema pode ser preciosa mais a joia se torna perfeita quando é lapidada suavemente, quando a pena mergulha no tinteiro da nossa história e são poucos que tem este labor,lapidar joias da nossa historiografia.
ResponderExcluirshow!
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